Bebês que, ao mamar são incapazes de fixar o
olhar nos olhos da mãe, podem sofrer de um dos distúrbios atualmente
classificados como autismo. Em sua definição mais ampla essa condição
afeta uma em cada 150 crianças. Descrito pela primeira vez em 1943, o
autismo é marcado pela dificuldade de comunicação, de estabelecer
interações sociais e por comportamentos monótonos e repetitivos.
Dentro do espectro de condições consideradas como autismo, apenas uma
minoria dos portadores apresenta comprometimento intelectual grave. Em
compensação, outros são dotados da capacidade de elevar ao quadrado
números de nove algarismos mais depressa do que o computador, decorar
mapas de cidades onde nunca estiveram, tocar ao piano sem errar uma nota
sinfonias que acabaram de ouvir.
Até os anos 1980, autismo era considerado distúrbio adquirido por
influência do ambiente. Alguns mais radicais chegavam a atribuir sua
gênese aos suspeitos de sempre: os pais.
Hoje, os especialistas consideram que a contribuição dos fatores
genéticos esteja ao redor de 90%, sobrando para o ambiente apenas 10% da
responsabilidade. Autismo é o distúrbio de neurodesenvolvimento em que a
herança genética desempenha papel mais importante. Ainda assim, vale
lembrar que não está ao alcance da biologia condicionar o destino final,
porque o ambiente modifica a expressão dos genes, e deficiências do
desenvolvimento podem ser contornadas ou corrigidas com o aprendizado.
Há algum tempo foram descritas anormalidades nos cromossomos
responsáveis por 10% a 20% dos casos. Os demais seriam causados por
alterações em múltiplos genes, surgidas quando os cromossomos se separam
durante o processo de divisão celular.
Nos últimos anos, no entanto, gerou entusiasmo a descoberta de que
mutações em único gene podem levar ao autismo, e que essas mutações
apontam para a sinapse, o espaço através dos quais o estímulo é
transmitido de um neurônio para outro. É através da sinapse que os
neurônios se comunicam para coordenar movimentos, percepções sensoriais,
aprendizados e memórias.
Em 2003, Huda Zoghbi, neurologista do Baylor College, no Texas,
propôs que as sinapses poderiam explicar o autismo, tendo como base os
estudos conduzidos no Instituto Pasteur, na França, que identificaram
mutações em proteínas conhecidas com o nome de neuroliginas em dois
irmãos autistas suecos.
Neuroliginas são proteínas que ancoradas na superfície de um dos
neurônios da sinapse, ligam-se a outras conhecidas como neurexinas,
ancoradas no outro neurônio da sinapse, para que o estímulo possa fluir
adequadamente entre eles.
Em março de 2007, o Autism Genome Project Consortium, grupo
que reúne mais de 50 instituições europeias e americanas, publicou os
resultados de cinco anos de estudos genéticos com 1.600 famílias de
autistas. Além de evidenciar diversas regiões nos cromossomos
envolvidas, o Consórcio identificou o gene responsável pela expressão
anômala da neurexina associada ao distúrbio.
A explicação mais aceita para o aparecimento do autismo é a de que a
interação entre neuroliginas e neurexinas nas sinapses é crucial para o
equilíbrio entre os sinais excitatórios e inibitórios que trafegam entre
os neurônios. Mutações em tais proteínas provocariam desequilíbrio
entre essas funções antagônicas e afetariam o aprendizado, a linguagem, a
comunicação social e a memória.
As sinapses são estruturas extremamente complexas que se modificam de
acordo com o uso, tornando-se mais ou menos sensíveis aos estímulos de
acordo com a experiência vivida. Essa plasticidade é a base essencial do
aprendizado e da memória.
Alterações ocorridas nas sinapses na fase de desenvolvimento
embrionário dos autistas podem modificar a arquitetura dos circuitos que
ligam os bilhões de neurônios envolvidos na linguagem e nas interações
sociais. As sinapses são a alma do cérebro.
Sem comentários:
Enviar um comentário